terça-feira, 9 de março de 2010

Mini-entrevista a Rui Rebelo - Biólogo FCUL

A&R de Portugal - Porque é que existe uma tão grande percentagem de anfíbios e répteis que só existem na península ibérica e em mais lado nenhum do mundo? Uma vez que isto não é tão frequente com outros grupos de animais, como mamíferos, aves ou insectos!

Rui Rebelo - De facto a Península Ibérica é especial para os répteis e anfíbios. Há duas grandes razões para o grande número de endemismos (assim se chamam as espécies únicas a um lugar) entre os anfíbios e répteis da Península Ibérica:

1) são animais ectotérmicos, ou seja, não controlam a tempretaura corporal e utilizam fontes externas de energia para manter essa temperatura. Isso quer dizer que os anfíbios e répteis ficam em geral inactivos quando não há energia térmica no exterior (proveniente por exemplo directamente do sol ou indirectamente, através das rochas ou água aquecidos pelo sol). Isso também quer dizer que não vivem bem nem conseguem ultrapassar barreiras geográficas frias. Assim, para estes animais, uma cadeia de montanhas pode constituir um obstáculo formidável, sendo muito difícil de ultrapassar.

2) são geralmente animais de tamanho pequeno ou médio, o que dificulta ainda mais a locomoção rápida ao longo de grandes distâncias.

Da conjugação dos dois factores anteriores, resulta que os anfíbios e os répteis podem ficar com muita facilidade isolados de exemplares da mesma espécie se entre entre eles aparecer uma barreira muito fria, ou pouco fria mas muito extensa. E este isolamento é uma condição muito importante para a evolução separada das populações que ficaram de cada lado da barreira. Com frequência, a mesma espécie pode dar origem a duas espécies diferentes de cada lado da barreira.

E porque é isto tudo importante para a Península Ibérica? Porque a Península funcionou como refúgio climático ao longo de todos os períodos glaciares que afectaram a Europa nos últimos milhões de anos. Localizada num dos extremos sul da Europa, a península sofreu algumas glaciações, que no entanto nunca a cobriram completamente – mesmo nos máximos glaciares, a península manteve algumas regiões com clima temperado, por onde os gelos não se estenderam. Terá sido nesses refúgios que terão ficado isoladas as diferentes populações de anfíbios e répteis, tendo em alguns casos evoluído espécies diferentes em diferentes refúgios. Mais tarde, quando os glaciares se retiraram, muitas das espécies recém-formadas tiveram dificuldade em recolonizar a Europa central devido à barreira geográfica dos Pirinéus. Mesmo dentro da Península, a maior parte dos grandes sistemas montanhosos tem uma orientação grosso modo oeste-este, ou seja, diferenciam bem dois tipos de habitat nas vertentes norte e sul. Mais uma vez poderá ter havido separações entre as formas que ficaram isoladas de um e outro lado das serras.

E porque é que este padrão não é tão marcado nos restantes grupos? Aí a resposta é variável. Na verdade, o padrão ainda é mais marcado (ou seja, há mais espécies endémicas) noutro grupo de vertebrados – os peixes de água doce. Estas espécies não sobrevivem no mar, e por isso é fácil que fiquem isolados nos sistemas fluviais em que vivem. Já nos mamíferos o padrão não é tão marcado, basicamente porque se trata de animais que podem estar activos durante todo o ano e podem ter um grande tamanho coroporal (ou seja, podem viajar distâncias maiores durante todo o ano). Não é assim de estranhar que entre os mamíferos, a maior parte das formas endémicas da Península seja de pequeno tamanho (roedores e insectívoros, principalmente). Já para as aves e insectos voadores, a capacidade de dispersão a grande distância que o voo proporciona permite a mistura das populações e dificulta o isolamento entre elas. Mais uma vez, a excepção são os insectos não voadores - entre estes a perecentagem de formas endémicas é muito elevada, talvez até superior à dos répteis e anfíbios.

Em conclusão, a fauna actualmente presente na Península Ibérica é o resultado de uma interacção entre a nossa história geológica e as capacidades que cada grupo animal tem de se movimentar através de territórios hostis.

1 comentário:

Jael Palhas disse...

:)
mais um post a comprovar a qualidade deste site na divulgação herpetológica!